19 mar Nova ordem jurídica fortalece as Organizações da Sociedade Civil
Por Mauri Cruz
As relações entre as organizações sociais e o estado brasileiro nunca foram fáceis. Exercendo funções de caráter social e de interesse público desde sempre, estas organizações careceram, por séculos, de um real reconhecimento de sua importância por parte dos gestores públicos e dos setores da iniciativa privada. Apesar disso é praticamente impossível encontrar um cidadão ou cidadã brasileira que não tenha tido, em algum momento de sua vida, apoio ou contato com uma organização social na defesa de algum direito violado.
É importante que se diga que o direito à livre associação está esculpido na Constituição Brasileira de 1988 e não requer anuência do estado. É parte do conceito de cidadania plena. E o brasileiro é um ser associativo. As organizações ditas sociais somam mais de 300 mil[1] em todo o país, empregam aproximadamente 2,2 milhões de profissionais, na maioria mulheres, com salários médios entorno de 3,3 salários mínimos e movimentam quase 2% do PIB nacional. As organizações sociais são responsáveis por ações em todas as áreas temáticas e em todo o território nacional e, pasmem, 85% delas não recebem qualquer apoio financeiro de órgãos públicos locais, estaduais ou federal. Vivem, portanto, do apoio e da solidariedade da própria sociedade civil organizada.
Por realizarem papel relevante na formação da consciência política da população, vem sofrendo nas últimas décadas, um processo crescente de criminalização. Já foram criadas três CPIs no Congresso Nacional para investigar ongs. É importante que se diga que, na maioria dos casos, as chamadas ongs que motivaram as CPIs eram fundações ligadas à universidades públicas, ou sejam, eram organizações do próprio estado brasileiro e não da sociedade civil. Apesar disso, todas as manchetes e estardalhaços foram contra as organizações sociais e seus dirigentes.
Em recente pesquisa realizada pelo Senado Federal em monitoramento da mídia[2] foi detectado que 27% das matérias envolvendo as organizações sociais criticavam genericamente a relação com o poder público. No entanto, esta mesma pesquisa indicou que 50% das matérias reconheciam o papel e a importâncias destas organizações para a sociedade brasileira.
Parte da motivação dos problemas que originaram muitas denúncias e dúvidas sobre a relação das organizações sociais e o estado brasileiro residia na ausência de uma legislação clara sobre o tema. Com a aplicação da teoria do estado mínimo que imperou de 1989 à 2020 na gestão pública federal, muitas áreas de atuação pública foram literalmente fechadas, passando o trabalho a ser realizado por organizações da sociedade civil. No entanto, a legislação aplicada era resultado de analogias e interpretações de normas infra-legais que impunham obrigações e responsabilidades aos gestores das entidades sem qualquer amparo jurídico. Ao analisar esta relação, a cada jurista, havia uma interpretação particular.
Com o objetivo de enfrentar esta situação, a Abong iniciou uma mobilização ainda no início do Governo FHC dialogando com a Sra. Ruth Cardoso da Comunidade Solidária. Infelizmente, daquele processo, influenciada pelos ventos neoliberais, surgiu a lei das OSCIPs[3] que em nada resolveu a questão. Durante os oito anos do Governo Lula, sequer as reuniões para tratar do assunto avançaram. A cada tentativa surgia no Congresso Nacional uma CPIs e a solução era adiada.
Por isso, a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pela Presidenta Dilma da Lei 13.019 de 31 de julho de 2014 que estabelece as normas e procedimentos para acesso à recursos públicos por parte das organizações da sociedade civil é um grande marco e uma conquista a ser comemorada. Primeiro, porque reconhece o papel e a importância das organizações sociais para a democracia brasileira criando instrumentos próprios para o apoio e a cooperação entre estas organizações e o próprio estado.
Diferencia o fomento das ações originárias e de iniciativa das próprias organizações sociais, daquelas ações e políticas públicas de iniciativa do estado. Foca a avaliação e a prestação de contas nos resultados reais das ações e não num controle mecânico e burocrático de notas fiscais e procedimentos administrativos pouco afeitos a realidade destas organizações.
Reconhece e fortalece o vínculo dos profissionais que atuam de forma permanente nas temáticas sociais das organizações, gerando segurança jurídica e fixando estes trabalhadores em suas áreas de atuação. Esta permanência representará um grande ganho no acúmulo em pesquisa e na sistematização de conhecimentos. O próprio estreitamento nas relações entre as organizações sociais e os órgãos de controle público com base em regras claras, certamente, irá enriquecer e fortalecer a transparência e o atingimento dos fins de cada projeto e ação, objetivo maior e principal de qualquer parceria. Por isso, é fundamental que, neste momento, todas as organizações da sociedade civil se sintam satisfeitas pela conquista desta luta árdua de mais de 20 anos e, como não poderia deixar de ser, reconheçam o trabalho do Congresso Nacional e do Governo Brasileiro pelo resultado alcançado.
(Texto publicado em 04 de setembro de 2014)
[1] pesquisa realidade pelo IBGE e IPEA com apoio da Abong e Gife. Os dados podem ser encontrados no sitio http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/2010/
[2] http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-AS_ONGs_na_Midia_o_perfil_do_Terceiro_Setor_na_Imprensa_(analise_de_midia).pdf
[3] Lei Federal 9.790 de 23 de março de 99 – www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9790.htm
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